Altar Ego

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Amanhã - mesma hora



De pé, encostada ao poste de iluminação, Ana esperava, que ele chegasse, aquele que telefonou a marcar o encontro. Nova, 30 anos, longos e cacheados cabelos loiros, alta, bonita e chamativa, licenciada em direito. Profissão? Prostituta, acompanhante, escort girl, o que quisessem chamar.

Ele? Jovem também, executivo de sucesso, com um sorriso sardónico ao canto da boca e um corpo de morrer por mais. Porque procurava a Ana? Porque não tinha paciência nem tempo para aturar a conversa fútil das meninas bem, o espírito de compromisso, a pressão para assumir uma relação que não lhe interessava. Pagava para ter o que queria. Só que ultimamente a Ana se tinha tornado um vício. Ainda não sabia nada dela, mas sentia-se de alguma forma preso à sua forma displicente e simples de ser, ao seu caracter forte e à sua personalidade determinada. Já era a 6º semana consecutiva que a chamava. Sempre umas horas que lhe sabiam a pouco, não só pela qualidade do que ela lhe oferecia mas também e cada vez mais pela companhia dela.

O carro aproxima-se, ela já o conhece à distância. Calmamente abre a porta e entra.

- Boa noite

- Olá Ana como estás, como foi o teu dia?

- Pergunta desnecessária Tiago, de dia durmo, à noite trabalho...

Silêncio meio desconfortante. "Porque é que fiz uma pergunta tão óbvia, estúpido" - pensa o Tiago. "Que raio de pergunta, até parece que nem sabe o que faço - pensa a Ana".

Em silêncio, até ao destino, o apartamento dele. Calmamente e ainda em silêncio sobem as escadas e entram no apartamento.

Algum tempo depois, descansam lado a lado, cada um acendendo um cigarro, olhando pensativo para o teto. Ele, pensa para si mesmo que cada vez tem mais necessidade dela, do calor do seu corpo, do cheiro do seu cabelo, dos momentos de sexo, que tão bem lhe sabem, do som do riso dela. Ela, que tem que tomar cuidado e deixar de aceitar os convites dele, por muito bem que lhe saiba o dinheiro, porque está a gostar mais do que pensava.

- Ana, gostáste? (de imediato se arrependeu da pergunta)

- Queres a versão simpática e comercial? Poxa, adorei, és simplesmente o máximo, bombástico, dinamite, nunca tive nada assim!

- Deixa-te de sarcasmo, quero a verdade nua e crua.

- A verdade? Gostei sim!

- Ah....Ok!

Pensativo, indeciso, quer perguntar algo há imenso tempo, desde que a conheceu, recomendada por um chefe seu...ganha coragem

- Ana posso fazer-te uma pergunta digamos, de certo modo íntima?

- A pergunta podes sempre fazer, só não sei se terás a resposta!

- Porque é que estás nesta vida? Problemas familiares? És só na vida e não tinhas como sobreviver?

- Não

- Ah! Então, tens uma família grande e sem posses e és a única com capacidade de trabalhar?

- Não!

- Bom, deixa ver, tens muitos irmãos a teu cargo, mãe e pai reformados, e não tens estudos.

- Não!

- Bom, será então que foste posta fora de casa dos teus pais e abandonada pelo marido com filhos para comer e sem dinheiro e emprego?

- Definitivamente não! Nunca fui casada!

- Porra então?

- Queres a verdade?

- Claro, sempre!

"Agora tenho a oportunidade única de o fazer sair a correr da minha vida, da forma mais simples, dizendo a verdade! É agora, finalmente a solução para o que me atormenta! Ninguém aguenta com a verdade...muito menos ele..." - pensa ela

- Olha é muito simples. Acabei o curso de direito e vi que sem cunhas ou patronos, népia de bom emprego, tinha que continuar a fazer oficiosas que não davam dinheiro nenhum. Queria ter a minha casa e carro, boas roupas, não depender dos meus pais, viajar, trabalhar quando quero. Pensei ...e nada melhor que esta vida! Trabalho 3 vezes por semana, a que horas quero, tenho uma boa clientela ("porra, porque é que será que ela dizer isto me faz ficar doido de raiva" - pensa ele), ganho imensamente bem, tenho um T3 óptimo em Telheiras, um carro desportivo a meu gosto, viajo pelo mundo, roupas do melhor, e só tenho clientela da alta, gente de dinheiro, não tenho xulo, vivo feliz!

Silêncio pesado, ele acende mais um cigarro, pensativo, contemplativo, introspectivo

" Pois é Ana, agora é que te viste livre dele, este nem para uma queca te vai procurar mais, ninguém aguenta a verdade da mulher que escolheu ser prostituta pelo conforto, ao contrário da história da coitadinha que comove toda a gente e redime a prostituta! Mas porque é que será que tenho um amargo na boca e um vazio na alma?" - pensa Ana.

Salta da cama, veste-se, perfuma-se e volta-se para ele, com um sorriso calmo:

- Boa noite Tiago, espero ter esclarecido as tuas dúvidas e já agora, desculpa por não ser a coitadinha que esperavas! Até um dia, obrigada pela escolha.

Pega no dinheiro que ele deixara em cima da mesa, como sempre o fazia e abre a porta, olhando mais uma vez para ele, calado, sério, olhos negros e profundos mirando o teto, cigarro aceso na mão, corpo descansado. Vira-se de costas, cansada e vazia, deixando para trás o peso de um sonho que não é possível e dirige-se para as escadas. Quando esta está a começar a desce-las sente a mão dele agarrando-lhe o braço:

- Ana, amanhã à mesma hora?

.....muda, sem palavras, coração a bater, desce as escadas, confusa...sem saber o que a atropelou...ele deu-lhe a volta sem que ela o esperasse....

Posted by simplesmente...mais eu :: 3:24 da manhã :: 4 Comments:

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